Equipe de Bolsonaro estuda como desaparelhar agências
- 02/12/2018
Para acabar com ingerências
políticas nas agências reguladoras, militares indicados para postos-chave na
equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, estudam reduzir as competências
dos órgãos reguladores e até formas de destituir conselheiros hoje em pleno
exercício de seus mandatos.
Uma das propostas é baixar um
decreto logo no início do novo governo retirando das agências competências que
passariam para os ministérios.
Outorgas, licenças,
regulamentações de serviços, preparação de editais, tudo voltaria para os
respectivos ministérios a que as agências estão vinculadas.
Na Anatel, por exemplo, até
simples autorizações para o funcionamento de provedores de internet voltariam
para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. Discussões
sobre qual será a faixa de frequência que as operadoras vão operar o 5G, com
leilão previsto para o próximo ano, por exemplo, sairiam da órbita da agência.
Caso essas ideias prosperem,
caberá às agências somente fiscalizar a qualidade da prestação dos serviços, o
cumprimento de contratos de concessão, a abertura de processos para apurar
infrações e a aplicação de sanções administrativas. Também poderão prestar
assessoria técnica aos ministérios, se forem acionadas.
Essas discussões surgiram no
início da transição quando o grupo responsável pela infraestrutura, liderado
por militares, começou a estudar as concessões e se surpreendeu com a
quantidade de integrantes das agências reguladoras ligados a políticos e com
irregularidades em decisões, algumas investigadas e punidas pelo TCU (Tribunal
de Contas da União).
Naquele momento, o MDB, partido
do presidente Michel Temer, tinha decidido lotear 16 postos de comando em cinco
agências (Aneel, ANTT, Antaq, Ancine e Anatel).
Emissários de Bolsonaro fizeram
chegar a Temer a insatisfação do eleito diante das nomeações no fim do mandato.
Mesmo assim, as nomeações foram feitas.
Um dos problemas, ainda de acordo
com quem participa dessas discussões, é o aparelhamento dos integrantes das
agências por pessoas que saíram da própria máquina pública, prática que se
acentuou na gestão dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff.
Essa percepção foi confirmada por
uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, que, há dois anos, analisou o
histórico de 140 dirigentes das agências desde sua criação, há mais de duas
décadas.
Quase 40% dos integrantes desses
colegiados tiveram filiação partidária e pelo menos um terço saiu de órgãos do
governo, praticamente todos na gestão petista.
Para assessores de Bolsonaro
nessa área, o aparelhamento teria permitido desmandos e irregularidades.
Um dos casos mencionados é o da
Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que só depois de ser
acionada pelo TCU passou a regular uma tarifa cobrada por terminais portuários
de agentes alfandegários na armazenagem de cargas no pátio após serem retiradas
dos navios.
Em julho, o TCU aplicou multa
contra os diretores da agência por considerar que, mesmo depois de
implementada, a regulação da tarifa não estava correta. As empresas envolvidas
sofreram condenação no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Casos como esse levaram os
militares a cogitar mudanças na legislação das agências, prevendo a
possibilidade de destituição de dirigentes e conselheiros no exercício do
mandato.
Hoje, existe essa possibilidade
caso seja comprovada a prática de crime no exercício do mandato ou
irregularidades que comprometam o livre desempenho da função. Em ambos os
casos, a destituição só pode ocorrer depois de processo judicial transitado em
julgado.
Diante da necessidade de uma
mudança radical na legislação das agências nesse quesito, a saída em análise é
pressionar uma lista de dirigentes a entregar uma carta de renúncia no próximo
ano sob a ameaça de abertura de processo disciplinar.
Advogados consultados pela
reportagem afirmam que, para desidratar as agências, Bolsonaro precisaria
enviar um projeto de lei ao Congresso. A reformulação pretendida pela equipe de
Bolsonaro ocorreria por decreto.
Neste momento, tramita no Senado
um projeto de lei enviado por Temer para fortalecer as agências, preservando
seu poder de definir as regras da regulação e de outorgas.
Advogados de empresas reguladas
acreditam que, se a proposta da equipe de Bolsonaro avançar, haverá um
retrocesso porque os investidores preferem regras colegiadas a decisões de
governo, mais sensíveis a mudanças políticas.
Apesar das imperfeições das agências,
eles consideram ser muito mais difícil conseguir interferir em um órgão com
decisões colegiadas do que no governo, em que uma ou duas pessoas participam da
tomada de uma decisão.
Autor de "Livre Concorrência
e Regulação de Mercados", o advogado Pedro Dutra diz que o atual debate na
"cozinha" de Bolsonaro sobre agências reguladoras não é novidade.
Segundo ele, que fez um apanhado da história de regulação no país, desde 1930 o
Estado tenta centralizar as políticas de regulação da prestação de serviços
públicos.
"Isso só mudou com o governo
de Fernando Henrique Cardoso, que criou a primeira agência federal para
desempenhar o papel de regulador, com autonomia da esfera de governo na
definição de regras para o setor", disse Dutra.
Segundo ele, com os governos do
PT, a lógica de mandatos para dirigentes das agências --para não serem
coincidentes com o mandato do presidente da República-- foi pervertida por
atrasos nas indicações para cargos vagos sob Lula e Dilma.
Além disso, as indicações
políticas passaram a prevalecer no lugar da capacidade técnica. Sem quadros
técnicos, o PT indicou funcionários do próprio governo.
Folhapress
Ficou sabendo de algo? Envie sua notícia no WhatsApp Xeretando (45)99824-7874
0 Comentários