A batalha dos cidadãos comuns em prol das abelhas em todo o mundo
- 20/04/2019
Não é de
se estranhar o fato de o apicultor Nicolas Géant, que se ocupa das colmeias da
Catedral Notre Dame - que teve o telhado devastado por um incêndio – ter
recebido mensagens e ligações de todo o mundo de pessoas perguntando se as
abelhas haviam morrido por causa do fogo. É porque não é de hoje que os
apicultores vêm se preocupando, globalmente, com o desaparecimento das abelhas.
Campanhas têm surgido com o objetivo de tentar recuperar a saúde desses
insetos, responsáveis pela polinização de mais de 70% das plantas. Segundo a
Food and Agriculture Organization (FAO), das Nações Unidas, 85% das plantas com
flores das matas e florestas dependem dos polinizadores:
“A
polinização das abelhas é fundamental para garantir a alta produtividade e a
qualidade dos frutos em diversas culturas agrícolas”, diz a organização em seu
site.
Não custa
lembrar também o alerta que o físico alemão Albert Einstein (1879 – 1955) deu
ao mundo:
“Se as
abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro
anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora,
sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.”
Mas a
notícia é boa: muitos já perceberam a urgência de ações.
A mais
recente campanha a favor da polinização é a “Million Pollinator – Garden
Chalenge”, formada em 2015, que já tem, registrados, mais de um milhão de
jardins e paisagens para apoiar os polinizadores. Qualquer pessoa pode
contribuir para a causa, segundo seus organizadores: é só plantar – pode ser em
casa mesmo, desde que tenha uma janela com sol – uma flor para atrair os
polinizadores. As abelhas se sentem atraídas sobretudo por plantas aromáticas,
especialmente as que dão flores miúdas, e de todas as cores. E que elas estejam
sempre bem regadas e, sobretudo, longe dos pesticidas.
Manjericão,
manjerona, alecrim, dente de leão, hortelã, margaridas e girassóis também são
um deleite para abelhas.
Aqui no
Brasil, onde há cerca de três mil espécies de abelhas, a maior parte delas sem
ferrão, foi em Brotas, interior de São Paulo, há pouco mais de dez anos, que
foi detectado, pela primeira vez, o desaparecimento das abelhas. Em 2013, uma
reportagem do jornal “The New York Times” informava que uma doença misteriosa
há anos vinha afetando a apicultura nos Estados Unidos, e que isto vinha se
expandindo drasticamente a ponto de ameaçar a vida das abelhas. Em algumas
regiões da Europa o fenômeno também já vem sendo observado não é de hoje.
A
proposta de se criar uma rede global, uma espécie de trabalho de formiguinhas,
para defender nossos polinizadores, e assim nossa saúde, é um dos muitos
resultados positivos que se vê a partir das redes sociais. Recebi outro dia,
sob forma de mensagem, a sugestão de criar uma espécie de casa de abelha a
partir de dois ou três pedaços de madeira onde são feitos alguns furos. Não
tenho tanta habilidade manual, mas estou auxiliando a produção de uma horta
comunitária onde são plantados os tipos prediletos das abelhas.
Mas é
preciso também que se fique atento aos motivos que estão levando ao
desaparecimento das abelhas. E não há estudo ou demonstrativo que não aponte
entre as causas o uso excessivo de agrotóxicos nas plantações. Assisti a um
documentário, tempos atrás, que mostra uma experiência feita por apicultores,
que puseram uma espécie de antena numa abelha que foi contaminada e em outra,
que não foi. A abelha que consumiu, de forma compulsória, as substâncias
químicas, não conseguia retornar para a colmeia, como fazem todas. Seu voo
parecia desorientado, como se ela estivesse embriagada ou como se seu sistema
nervoso tivesse sido atingido.
É bom
lembrar que o processo produtivo agrícola brasileiro está cada vez mais
dependente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos. Recentemente, o governo
liberou ainda mais registros de alta toxidade, entre eles o Sulfoxaflor, que já
foi acusado de exterminar as abelhas nos Estados Unidos, segundo reportagem
publicada no site do jornal “El País”.
Não
faltam denúncias, alertas. Dados que apontam a gravidade do problema que vem
com o fato de o Brasil ser, desde 2008, o maior mercado mundial de agrotóxicos,
são a todo momento divulgados. Ontem mesmo (18), dados do próprio Ministério da
Saúde e depois compilados pelo Repórter Brasil, Agência Pública e Public Eye
apontaram que, em 45 cidades do Sul de Minas, a água que chega às estações de
tratamento está contaminada por algum tipo de agrotóxico.
O uso
abusivo dos agrotóxicos, portanto, que para a indústria de alimentos é parte do
“grande desafio de alimentar dez bilhões de pessoas até o fim do século”,
também pode ser o viés responsável pela maior dificuldade em se obter produtos
saudáveis para a população. Quando se inclui no rol de problemas causados pelos
produtos químicos - muitas vezes borrifados por aviões em áreas de plantação, o
que atinge também a população do entorno – o fim dos insetos polinizadores,
podemos estar caminhando, de fato, para um futuro onde passaremos a nos
alimentar, cada vez menos, de comida de verdade.
O dossiê
da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), lançado em 2015 sob o
título “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde”, é um compêndio
necessário para quem se interessa pelo tema. Logo na abertura, os pesquisadores
trazem o pensamento de Rachel Carson que diz:
“A dúvida
é se a civilização pode mesmo travar esta guerra contra a vida sem se destruir
e sem perder o direito de se chamar de civilizada”.
Carson
escreveu “Primavera Silenciosa”, estudo publicado em 1962, comprovando o impacto
dos agrotóxicos na vida. Hoje, quando percebo tantos em prol de garantir a
função dos polinizadores no mundo, fico em parte satisfeita porque a mensagem
foi ouvida. Em parte, fico preocupada porque seremos poucos, talvez, para a
grande aceleração que parece estar sendo preparada pelo mundo das indústrias
para garantir nosso alimento. Há que ter um limite, e os cidadãos comuns estão
sentindo isso.
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