Fim das escolas cívico-militares repercute entre estudantes e escolas
- 14/07/2023
O Ministério da Educação (MEC) começou, esta semana, o
processo de extinção do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim).
A decisão, que impacta cerca de 200 escolas nas cinco regiões do país, foi
comemorada e criticada. Para alguns, o modelo precisa ser extinto e não está em
conformidade com o papel da escola pública. Para outros, o modelo gera
resultados e deve ser mantido.
Para a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes),
a medida é uma vitória, pois o modelo cívico-militar é “um modelo de escola que
acaba privando os estudantes de ter liberdade de expressão”. Para a presidenta
da entidade, Jade Beatriz, o modelo “não apoia a formação do pensamento crítico
e acaba excluindo uma parcela dos estudantes”.
Segundo Beatriz, a escola precisa ser democrática e deve
incentivar um maior protagonismo dos estudantes. “Hoje, ter essa vitória
representa muito para gente. Mas, de toda forma, a gente continua lutando para
que, além de serem democráticas, as escolas tenham infraestrutura adequada e
também haja o fortalecimento das escolas técnicas”.
Para ela, papel da educação é “fazer com que você vá para
além dos muros da escola, que consiga se questionar o que vive hoje. É preciso
garantir que a escola seja um instrumento não só de combate à desigualdade
social, mas consiga contribuir para formação de pensamento crítico”.
Já o diretor do Colégio Estadual Beatriz Faria Ansay
Cívico-Militar, localizado em Curitiba, no Paraná, Sandro Mira, recebeu a
notícia com preocupação. “Claro que não é uma notícia boa, visto que a
implantação do programa foi uma grande vitória, um grande presente para nossa
comunidade”.
O colégio chegou a ser citado como modelo pela gestão de
Jair Bolsonaro na divulgação do balanço do programa no final do ano passado. O
caso do Colégio Estadual foi tido como exemplo ao alcançar a meta estabelecida
para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
“Nosso colégio era totalmente desacreditado, tanto por parte
da comunidade, quanto por parte dos governantes. Por essa razão, foi um dos
selecionados para entrar no programa e, a partir do trabalho, com valores em
cima dos nossos alunos, professores e funcionários, nós conseguimos fazer uma
transformação no colégio, tanto na parte estrutural, quanto na parte pedagógica
e social dos nossos alunos. Hoje a gente tem um colégio que é bonito, que é
cuidado pela comunidade. Não existe depredação no nosso colégio”, diz Mira.
Escolas cívico-militares
O Pecim era a principal bandeira do governo de Bolsonaro na
educação. Ao longo da implementação, o modelo recebeu elogios, mas também uma
série de críticas e de denúncias de abusos de militares nas escolas e de
exclusão de professores e alunos. Acabar com o programa é, da mesma forma, uma
bandeira do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Esta semana, o MEC enviou um ofício aos secretários de
Educação informando que o programa será finalizado e que deverá ser feita uma
transição cuidadosa das atividades para não comprometer o cotidiano das
escolas.
O programa é executado em parceria entre o MEC e o
Ministério da Defesa. Por meio dele, militares atuam na gestão escolar e na
gestão educacional. O programa conta com a participação de militares da reserva
das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares. A proposta do modelo
cívico-militar é que militares atuem na administração escolar e na disciplina
de estudantes, enquanto os professores são responsáveis pela parte pedagógica.
O modelo tem regras rígidas de aparência para os estudantes.
Coque para as meninas e o chamado “cabelo no padrão baixo”, cortado com máquina
dois, para os meninos. Adereços como piercings não são permitidos.
Rede Nacional de Pesquisa
De acordo com a professora da Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Rede Nacional de Pesquisa em
Militarização da Educação, Catarina de Almeida Santos, o modelo cívico-militar
não está em conformidade com a legislação educacional, que não prevê, em lei, a
atuação de militares nas escolas. E, além disso, segundo ela, é excludente.
Assim, o ofício enviado pelo MEC às secretarias, a
professora afirma, é um primeiro passo para a desmobilização do modelo, mas é
necessário que um decreto de fato extinga o programa e, depois disso, sejam
tomadas outras medidas para coibir que estados e municípios sigam implementando
esse regime nas escolas públicas.
“Para além das escolas militarizadas pelo Pecim, o próprio
programa teve um impacto enorme na ampliação da militarização. Por conta
própria, em estados e nos municípios. A gente tinha, no início de 2019, cerca
de 200 escolas militarizadas. Hoje temos mais de 1 mil”, diz, Santos. “O
Governo Federal tem um papel na coordenação dessa política e na definição de
diretrizes. Isso é prerrogativa exclusiva da União, definir diretrizes para a
educação nacional”.
Catarina ressalta que o modelo é excludente, na medida que
acaba deixando de fora aqueles que “não se adequam” a ele. Esses estudantes e
professores são transferidos ou são levados a pedir transferência para outras
escolas da rede. “O que vimos nesse processo foi isso, a exclusão dos
estudantes que dizem que não se adequam ao processo, além do impedimento [de
professores] de trabalhar temas que eles entendem que não condiz com a escola.
Isso que a gente tem observado nesse processo de militarização, que não é
exclusivo das escolas do Pecim, mas que é da lógica dos militares”.
De acordo com a professora, o papel da escola pública é ser
um espaço que “acolhe todas as crenças, todas as orientações. Pública é para
isso, para atender a todas as pessoas”, diz.
Razões do MEC
Em nota técnica, em que analisa o programa, o MEC conclui
que as características do programa e a execução, até agora, indicam que a
manutenção não é prioritária e que os objetivos definidos para sua execução
devem ser perseguidos mobilizando outras estratégias de política educacional.
A nota, assinada pelo Secretário de Educação Básica
substituto Alexsandro Santos desaconselha a manutenção do programa por entender
que há problemas de coesão/coerência normativa entre sua estrutura e os
alicerces normativos do sistema educacional brasileiro. Além disso, induz o
desvio de finalidade das atividades das forças armadas, “invocando sua atuação
em uma seara que não é sua expertise e não é condizente com seu lugar
institucional no ordenamento jurídico brasileiro”.
A nota técnica acrescenta que a execução orçamentária dos
recursos de assistência financeira destinados às escolas do Programa ao longo
dos anos de 2020, 2021 e 2021 foi irrisória, comprometendo investimentos que
poderiam ser mobilizados em outras frentes prioritárias do MEC.
Por fim, a análise conclui que a justificativa para a
realização do programa “apresenta-se problemática, ao assumir que o modelo de
gestão educacional, o modelo didático-pedagógico e o modelo de gestão
administrativa dos colégios militares seriam a solução para o enfrentamento das
questões advindas da vulnerabilidade social dos territórios em que as escolas
públicas estão inseridas e que teriam as características necessárias para
alcançar o tipo de atendimento universal previsto para a educação básica
regular, ignorando que colégios militares são estruturalmente, funcionalmente,
demograficamente e legalmente distintos das escolas públicas regulares”.
Esclarecimento
Após a divulgação do ofício do MEC, a Associação Brasileira
de Educação Cívico-Militar (Abemil) divulgou uma nota de esclarecimento às
escolas cívico-militares explicando que a decisão do MEC não impacta as escolas
que funcionam no modelo e que foram implantadas e mantidas pelos próprios
municípios.
A associação ressalta também que não é feita, no ofício do
MEC, “nenhuma menção de que o programa deva ser encerrado, mas que apenas não
mais será realizado e conduzido pela parceria Ministério da Educação e
Ministério da Defesa. Dessa forma, entende-se que projeto poderá ser conduzido
por cada ente federado, haja vista existir legislação que respalda e legitima
sua continuidade”.
A nota acrescenta: “É importante salientar que o próprio
documento reconhece a eficácia das escolas cívico-militares ao mencionar que
não deve ocorrer o comprometimento das “conquistas de organização que foram
mobilizadas pelo Programa”. Ressalta também que a reintegração de tais escolas
aos respectivos Sistemas, ou seja, Secretarias de Educação, deverá ser bem
planejada e organizada”.
Com Inf: EBC | Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
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