Prefeitos corruptos estão sendo exterminados no Pará
- 22/02/2018
Sempre que vai do centro da cidade à zona rural, o prefeito Deusivaldo Silva Pimentel escala um séquito de secretários e vereadores para acompanhá-lo. Sai num comboio de cinco ou seis caminhonetes e vai trocando de veículo ao longo do percurso, de modo a confundir um possível inimigo à espreita. Assim, em bando, tem a falsa sensação de estar mais seguro. “Daqui a pouco, ele vai precisar contratar um dublê”, disse um correligionário ao lembrar que, vez ou outra, um vereador amedrontado declina do “convite”. “Ou baixar um decreto-lei obrigando todo mundo a ficar de barba, igual a ele”, emendou outro. Uma gargalhada coletiva toma conta do gabinete, com 11 assessores apinhados numa manhã de janeiro, e dá segundos de trégua ao clima tenso. Desde que se tornou prefeito, Pimentel não sabe o que é ficar sozinho. Nem o que é ter paz.
Pimentel ocupa a desconfortável posição de prefeito de Novo Repartimento, no sudeste do Pará. Está ameaçado de morte – e tem motivos bem concretos para se preocupar. Em ordem geográfica, sua cidade é a sucessora imediata de três municípios cujos prefeitos foram assassinados nos últimos dois anos: Goianésia do Pará, Breu Branco e Tucuruí, distantes não s mais que 100 quilômetros entre si. Todos foram executados a tiros, à queima-roupa, dois deles à luz do dia. Um vereador e um secretário foram eliminados nesse período, numa sequência de mortes de políticos inédita na história do Pará. No início, a polícia trabalhou com a hipótese da existência de um consórcio de matadores a serviço de outros políticos. Afinal, a pistolagem sempre foi comum naquele estado. Mas a causa era outra: a corrupção.
As três cidades têm um fator comum que desperta cobiça pela cadeira de prefeito e atiça ataques ao dinheiro público. Numa região marcada pela pobreza, são agraciadas com royalties da hidrelétrica de Tucuruí, a segunda maior do Brasil. O repasse depende de duas variáveis: a área alagada de cada município durante a construção da usina; e a geração anual de energia, que muda conforme o volume das chuvas. O valor vai de R$ 3,8 milhões a R$ 23,1 milhões por ano – e, em alguns casos, representa cerca de um sexto do orçamento da prefeitura. “São municípios estratégicos do ponto de vista arrecadatório”, afirmou Francisco Charles Teixeira, promotor que investigou dois dos assassinatos. “E a verba dos royalties, por lei, não é vinculada a nenhum fundo, pode ser gasta livremente pelos prefeitos.” A disputa pelo acesso corrupto a esse dinheiro e a abundância de pistoleiros levaram aos três assassinatos dos prefeitos.
Com o maior assentamento agrário da América Latina, numa região conhecida pela pistolagem, Novo Repartimento respira medo. A morte se tornou tão banal que, até pouco tempo atrás, assassinos de aluguel disputavam quem matava mais. A prática do acerto de contas à bala está enraizada. O próprio promotor Francisco Teixeira trabalha com uma pistola na cintura. “Aqui tem de andar assim”, disse. O patrulhamento na cidade é ostensivo. Minutos depois de ÉPOCA chegar numa caminhonete branca alugada, uma viatura da Polícia Militar veio em seu encalço e mandou-a encostar. Três policiais desceram com fuzis em posição de tiro. Um veículo igual era suspeito de envolvimento num plano de assalto a banco interceptado pela inteligência da PM. Os agentes estavam cuidadosos porque dias antes, ao abordar suspeitos, um sargento morreu atingido por tiros disparados por uma mulher com falsa barriga de grávida numa abordagem semelhante.
Prefeito de Novo Repartimento há pouco mais de um ano, Deusivaldo Pimentel, de 44 anos, não terminou o ensino fundamental, trabalhou boa parte da vida na roça e foi motorista da própria prefeitura antes de ser eleito. Pela facilidade de se entrosar, ficou conhecido como Amizade. Costuma dizer “estou prefeito”, em vez de “sou prefeito”, numa calculada demonstração de simplicidade. Para não perder o apelido, ele se recusa a andar com escolta, como fazem outros gestores da região. “Depois dos acontecidos, alguns sugeriram segurança armada. Mas tenho dificuldade de aceitar”, diz Pimentel. “A maior parte das pessoas aqui é humilde. Tenho medo de acharem: ‘Só porque está prefeito ficou assim desse jeito’.” Medo maior que da morte é o de perder o eleitorado. Além de adotar o comboio, Pimentel evita pequenos prazeres, como andar de moto ou ir à feira. Em frente a sua mesa, uma tela gigante de LED transmite imagens de 16 câmeras que filmam os arredores e o prédio da prefeitura. Tarefas corriqueiras, como pagar a conta de telefone, ele não arrisca mais.
ÉPOCA
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