Lula, o vaivém da prisão em 2.ª instância e mais 7 casos em que o STF voltou atrás
- 04/04/2018
Julgamento do habeas corpus do ex-presidente ameaça mudar pela terceira vez o entendimento do Supremo sobre execução da pena antes de esgotados todos os recursos na Justiça. Não é algo incomum no tribunal, que já mudou de posição em pelo menos outros sete assuntos. Em certa ocasião, de um dia para o outro
O julgamento desta quarta-feira (4) do habeas corpus do
ex-presidente Lula (PT) ameaça levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a rever o
próprio entendimento de que condenados em segunda instância judicial já podem
ser presos. Se fizer isso, será a quarta vez que o STF analisará esse assunto;
e a terceira mudança de entendimento da Corte sobre um mesmo tema em poucos
anos.
O vaivém de decisões do Supremo, porém, não é exclusividade
desse caso. Ocorreu em várias ocasiões nos últimos tempos – especialmente em
julgamentos que envolvem a participação de políticos em crimes de corrupção.
A instabilidade do STF, nessas situações, revela uma forte
divisão dentro do próprio tribunal. De um lado, ministros “garantistas”, que
procuram interpretar a Constituição de modo mais favorável ao acusado. Do
outro, os “ativistas anticorrupção”, que buscam preencher as lacunas legais com
entendimentos mais duros em relação aos réus.
As constantes mudanças de posição do STF, que não se resumem
a casos de corrupção, revelam ainda como o Supremo cede a pressões políticas. E
elas têm como efeito a criação de insegurança jurídica – justamente o contrário
do que o tribunal deveria fazer.
No entanto, há ainda casos em que a mudança de entendimento
ocorreu num espaço de tempo bem maior, o que pode refletir uma modificação da
visão da própria sociedade sobre determinados assuntos.
Veja oito casos em que o STF mudou de posição – num deles,
de um dia para o outro:
1) Prisão em 2.ª instância? Pode. Não pode. Peraí, agora
pode de novo. Eu disse que pode. Mas enfim, estou em dúvida: pode ou não pode?
A primeira vez que o Supremo tratou sobre a possibilidade de
prender condenados já a partir da segunda instância judicial foi em 2009, na
análise de um habeas corpus específico. Na ocasião, os ministros da Corte
entenderam que a pena só poderia começar a ser cumprida quando todos os
recursos estivessem esgotados – o chamado trânsito em julgado.
Mas o tema voltou a ser discutido em fevereiro de 2016, na
análise de outro habeas corpus específico – no caso, de um condenado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que é uma corte de segunda instância.
E o Supremo, sete anos depois, mudou de entendimento, autorizando o início da
execução da pena com condenação por juízo de segundo grau.
Foi uma mudança de uma jurisprudência de décadas, em que o
Judiciário passava a aceitar o início do cumprimento de penas sem o trânsito em
julgado.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o PEN (partido que
hoje se chama Patriota) ingressaram com duas ações diretas de
inconstitucionalidade questionando a decisão e pedindo uma liminar para
suspender seus efeitos. Meses depois, em outubro de 2016, o plenário do STF se
reuniu e decidiu manter as prisões em segunda instância. E negou as liminares.
Como o mérito do caso não foi analisado, tudo pode mudar
novamente. E há pressão para que o assunto seja recolocado em pauta. O ministro
Gilmar Mendes disse explicitamente, na segunda-feira (2), que o caso de Lula
permitirá reavaliar todas as prisões em segunda instância. Pelo menos dois
outros ministros – Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello – deram sinais de que
querem discutir os dois assuntos (Lula e prisões em segunda instância) ao mesmo
tempo.
Dois figurões da política nacional – o ex-deputado Eduardo
Cunha (PMDB-RJ) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) – sentiram o peso da caneta
dos ministros do STF de modo muito diferente, num caso muito semelhante, num
intervalo de apenas um ano.
O Supremo determinou o afastamento de ambos de seus mandatos
parlamentares por suspeita de participação no esquema de corrupção investigado
pela Lava Jato: Cunha em 2016 e Aécio em 2017. Mas, no caso do peemedebista, os
ministros entenderam que o afastamento tinha de ser imediato e não precisava do
aval da Câmara para ser concretizado. No caso de Aécio, os ministros decidiram
que o Senado teria de referendar o afastamento determinado pela Corte para
começar a valer – o que, aliás, está previsto na Constituição.
Curiosamente, a decisão do Supremo que aliviou a situação do
tucano não se referia a ele – mas sim a Cunha. Era uma resposta à ação de três
partidos (PP, SD e PSC) que questionavam, baseado no caso do peemedebista, se a
palavra final do afastamento de parlamentares era do Judiciário ou do
Legislativo.
Quando julgou a ação, Cunha já havia sido cassado pela
Câmara e não tinha mais como voltar ao Congresso. Mas Aécio acabou se
beneficiando. O julgamento da ação dos três partidos, aliás, foi pautado por
causa do tucano. O STF cedeu à pressão do Senado – que havia sido muito mais
forte do que a da Câmara no caso de Cunha.
3) Parlamentar condenado perde mandato automaticamente? Ou o
Legislativo tem de referendar? Resposta: depende de quando o STF decide
Durante o julgamento do mensalão, em 2012, o Supremo firmou
o entendimento de que parlamentares com condenação criminal em última instância
perdiam o mandato automaticamente.
Isso mudou em 2013 no julgamento do senador Ivo Cassol (PP),
de Rondônia. O Supremo condenou Cassol por fraude a licitações quando foi
prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002. Mas decidiu
deixar para o Legislativo a decisão sobre a perda do mandato parlamentar.
Cassol entrou com recurso no STF. No fim do ano passado, conseguiu reduzir a
pena, mas continuou condenado. E segue ocupando uma cadeira de senador até
hoje.
Foi essa decisão que permitiu, por exemplo, que a Câmara
convivesse com um deputado-presidiário no ano passado. Celso Jacob (PMDB-RJ)
foi condenado pelo STF a prisão em regime semiaberto por falsificação de
documento e dispensa de licitação. Como seus colegas não o cassaram, ele podia
trabalhar na Câmara durante o dia e voltar para dormir na cadeia.
O entendimento que beneficiou Cassol e Jacob, porém,
desagrada uma parte dos ministros do STF, que pretende mudá-lo. A 1.ª Turma do
Supremo propôs uma alternativa: a perda de mandato automática ocorreria se a
pena for de prisão em regime fechado; nos outros casos, caberia ao Senado ou à
Câmara decidir.
4) Rito das MPs: o inusitado caso em que o STF mudou de
posição de um dia para o outro
Em 6 de março de 2012, o plenário do Supremo decidiu
considerar inconstitucional a criação do Instituto Chico Mendes (que administra
parques nacionais) por meio de uma medida provisória (MP) que não seguiu o rito
previsto numa emenda da Constituição de 2001. Um dia depois, em 7 de março, o
STF voltou atrás, anulou sua própria decisão do dia anterior e manteve a
criação do instituto.
A mudança de entendimento tão rápida ocorreu porque o STF
foi alertado (e pressionado pelo governo da então presidente Dilma Rousseff) de
que 460 leis federais aprovadas nos 11 anos anteriores corriam risco de terem
de ser anuladas porque também nasceram como MPs que não haviam seguido o rito
constitucional. A oposição inclusive havia anunciado que iria ingressar com
ações para anular a criação de todas as entidades estatais criadas por medidas
provisórias nos governos do PT.
Sem nenhuma cerimônia, os ministros do Supremo então
estabeleceram no novo julgamento que só as novas MPs deveriam seguir a
tramitação prevista na Constituição havia 11 anos. A emenda constitucional
determina que medidas provisórias têm de obrigatoriamente serem votadas por uma
comissão especial mista formada por deputados federais e senadores, antes de
ser submetida à votação pelos plenários da Câmara e do Senado. Era isso que não
vinha sendo feito pelos parlamentares – embora eles mesmos tenham decidido em 2001
que deveriam seguir esse rito.
5) Infidelidade partidária: primeiro, o Supremo deu aval à
“pulada de cerca”. Depois, voltou atrás
A questão da infidelidade partidária é um caso em que o STF
mudou de entendimento num prazo mais longo. O primeiro julgamento sobre o
assunto ocorreu em 1989. O segundo, em que houve mudança de posição, em 2007.
Na primeira vez, o Supremo analisou dois mandados de
segurança. À época, os ministros entenderam que parlamentares que traíram seus
partidos, mudando de sigla, não deveriam perder o mandato porque a Constituição
de 1988 não estabelecia isso de modo explícito.
Em 2007, contudo, o STF entendeu que o mandato pertence ao
partido e não ao político em si. E, desse modo, a mudança de legenda implicaria
na perda do mandato.
Dos 11 ministros do Supremo, apenas um participou dos dois
julgamentos: Celso de Mello – que foi voto vencido em 1989, mas conseguiu
emplacar seu entendimento em 2007.
6) Dois acidentes de trânsito com desfechos completamente
opostos
Uma batida de trânsito entre um ônibus do transporte
coletivo e um carro particular foi parar no STF, num julgamento de 2004. A
empresa concessionária do serviço argumentava que tinha responsabilidade apenas
sobre danos causados aos passageiros que transportava – e não em relação ao
motorista do veículo atingido. O entendimento do STF foi de que o serviço que
ela prestava era o de transportar os passageiros – e essa era sua
responsabilidade prevista no contrato. Ou seja, não tinha nada a ver com
pessoas que não era usuárias de ônibus.
A decisão implicou que, se alguma pessoa que não estivesse
no ônibus viesse a sofrer algum dano causado por ele, teria de processar o
Estado (e não a concessionária) para repará-lo.
Tudo mudou em 2009, num novo julgamento envolvendo outro
acidente de trânsito – nesse caso, entre um ônibus do transporte coletivo e um
ciclista, que morreu. Dessa vez, o plenário do Supremo entendeu que a
Constituição prevê que a empresa concessionária do serviço público tem
responsabilidade por danos causados a pessoas não usuárias do sistema.
7) Crime de escravidão já foi da Justiça Estadual. Agora é
da Federal
O Supremo analisou em 1979 o caso de um trabalhador que
recebia de seu empregador uma remuneração abaixo do valor do salário mínimo –
que, naquele caso, havia sido enquadrado como condição análoga à escravidão. A
questão que chegou ao Supremo, contudo, não era do mérito em si do caso, mas da
competência para julgá-lo: da Justiça Estadual ou Federal.
Até então, o STF vinha entendendo que casos como esse
constituíam “crime contra a organização do trabalho” – tipificado no Código
Penal e que tinham competência federal. Mas, naquele julgamento, o Supremo
disse que casos particulares não poderiam ser enquadrados como “organização do
trabalho”, categoria que só seria válida para instituições com responsabilidade
de preservar, coletivamente, os direitos dos trabalhadores. O processo em
questão acabou sendo remetido à Justiça Estadual.
Em 2006, o Supremo voltou a apreciar uma ação semelhante, de
um grupo de trabalhadores submetidos a situação análoga à escravidão, que
discutiam novamente a competência judicial desse tipo de crime. Dessa vez,
contudo, os ministros entenderam que casos particulares de crimes contra
trabalhadores são da Justiça Federal. O entendimento era de que a Constituição
assegura a dignidade humana – e que, portanto, o caso é da esfera federal.
Durante o julgamento, ministros deixaram claro que a mudança
de entendimento do STF significaria uma tomada de posição em relação ao combate
do trabalho escravo no país – o que revela um ativismo judicial.
O Supremo entendeu, num julgamento de 1995, que uma
instituição pública (o INSS, no caso em particular) poderia exigir o depósito
do valor das multas que aplica para que a pessoa ou empresa multada pudesse
recorrer à segunda instância judicial quando perde a causa na primeira.
A ação, protocolada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos, argumentava que o depósito prévio feria o direito à
ampla defesa. O STF decidiu na ocasião que o direito à defesa continuava
assegurado, pois na primeira instância ele havia sido garantido plenamente.
Mas em 2009, os ministros do STF mudaram de posição num caso similar, em que uma empresa questionava a obrigação prévia de depositar multa do Ministério do Trabalho para poder recorrer à segunda instância. Desta vez, o entendimento passou a ser que o depósito era inconstitucional justamente por atrapalhar o direito de ampla defesa.
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