Penitenciárias federais: por que foram criadas e como funcionam?
- 19/02/2024
Desde que foram inauguradas as primeiras penitenciárias
federais em 2006, gestores públicos vinculados aos sucessivos governos
asseguraram, em diferentes momentos, que tais unidades seriam invioláveis. No
entanto, a fuga de dois detentos da penitenciária de Mossoró, no Rio Grande do
Norte, na quarta-feira (14), colocou em xeque esses discursos.
Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento foram
os primeiros detentos da história brasileira a escapar de um desses presídios,
considerados de segurança máxima. Uma operação para recapturá-los mobiliza
cerca de 300 agentes federais. A forma como ambos escaparam está sendo
investigada. Um buraco foi encontrado em uma parede, e suspeita-se que eles
tenham usado ferramentas destinados a uma obra interna.
O episódio fez ressoar críticas de especialistas e
pesquisadores, que questionam se esses presídios têm de fato contribuído para
desestruturar o crime organizado. Uma das preocupações gira em torno do
agrupamento dos líderes de facções criminosas nestas unidades, o que
possibilita a ocorrência de novas articulações. O pesquisador Sérgio William
Teixeira chegou a apontar os efeitos desse cenário em tese de doutorado
defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2018.
"O modelo penitenciário atual, envolvendo a
transferência de presos do sistema estadual para o federal, sem a adoção das
cautelas necessárias, a despeito de toda a estrutura de segurança e controle
que efetivamente possui o Sistema Penitenciário Federal, tem, de fato,
contribuído para a expansão das organizações criminosas, ou ao menos
estimulado, ou favorecido a emergência de novos coletivos organizados de
presos, levando ao que se pode chamar de federalização ou expansão nacional das
gangues prisionais", afirmou Teixeira.
O Ministério da Justiça e da Segurança Pública rapidamente
anunciou uma série de medidas após a fuga: afastamento da direção da
Penitenciária Federal em Mossoró, investimentos na modernização do sistema de
videomonitoramento, mudanças no controle de acesso, incluindo tecnologia para
reconhecimento facial, ampliação dos sistemas de alarme, construção de muralhas
e nomeação de novos policiais penais aprovados em concurso público. O ministro
Ricardo Lewandowski assegurou que o país está preparado e tem "todas as
condições de enfrentar o crime organizado".
Mas o que são exatamente as penitenciárias federais? Por que
foram criadas e como funciona? A criação de um complexo de presídios federais
começou a ganhar forma em 2006, com a inauguração das unidades de Catanduvas,
no Paraná, e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. No ano seguinte, o
Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen-MJ), por
meio do Decreto 6.061, instituiu a Diretoria do Sistema Penitenciário Federal.
Posteriormente, foi aprovada a Lei Federal 11.671/08, que trata das regras para
transferência e inclusão de presos nas penitenciárias federais de segurança
máxima, bem como estabelece procedimentos que devem vigorar nestes
estabelecimentos penais.
A criação das unidades federais foi uma resposta do Estado diante do avanço do crime organizado no país. Conforme fixa a legislação, as penitenciárias devem receber indivíduos que tenham atuação destacada em organização criminosa envolvida de forma reiterada em episódios com violência ou grave ameaça. Na prática, foram pensadas para isolar os líderes de facções e detentos de alta periculosidade. Entre os criminosos já encaminhados para estas penitenciárias, estão Fernandinho Beira-Mar, Marcola, Marcinho VP e Nem da Rocinha.
Em 2009, foram inauguradas as unidades de Mossoró e de Porto
Velho. Apenas em 2018, foi concluída a quinta e última penitenciária,
localizada em Brasília. Atualmente, existem no país cinco presídios federais de
segurança máxima. Cada um tem 208 vagas, totalizando 1.040. Segundo os dados
públicos mais recentes do sistema penitenciário brasileiro, referentes ao ciclo
entre janeiro e junho de 2023, atualmente há 489 detentos, o que indica uma
ocupação abaixo da metade da capacidade. Esse número também representa 0,0752%
dos 649.592 presos em 649.592 celas físicas ou carceragens em todo o país.
Conforme mostram os dados, nesses presídios não há
superlotação. As 208 vagas são divididas em quatro alas, que são subdivididas
em quatro vivências que comportam no máximo 13 detentos. Embora compartilhem
dependências comuns, cada um deles tem uma cela individual. Com 7 metros
quadrados, as celas têm cama, mesa, assento, pia, vaso sanitário e um chuveiro
que funciona em horários previamente definidos. Não há tomadas, nem autorização
para uso de equipamentos eletrônicos. Os alimentos são servidos em uma bandeja
entregue por uma portinhola. Após a devolução, a bandeja é inspecionada.
Os detentos passam por revista minuciosa sempre que saem e
entram nas celas. São usados equipamentos de scanner corporal e de detecção de
metais. No percurso até os pátios onde tomam banho de sol, eles são conduzidos
algemados. As visitas também estão submetidas a regras rígidas. Os visitantes
não podem, por exemplo, levar alimentos aos presos.
Todos os ambientes são acompanhados por câmeras, das celas
às áreas comuns. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública não informou
quantas equipamentos registram imagens no interior das unidades. Quando foi
inaugurada a Penitenciária Federal de Mossoró, informou-se foi divulgado que
cerca de 200 câmeras compunham o sistema de monitoramento em tempo real, 24
horas por dia.
Há pesquisadores de segurança pública, no entanto, que não
creem que esse aparato seja suficiente para resolver integralmente os problemas
de segurança pública do país e ainda veem violações de direitos associados à
criação das penitenciárias federais, como a detenção em locais distantes das
famílias. Estudos indicam que o cumprimento da pena próximo dos parentes,
facilitando as visitas, reduzem a probabilidade de reincidência no crime.
Outra controvérsia envolve as 14 celas de isolamento em cada
unidade federal, destinadas ao cumprimento de Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD), no qual o detento não tem direito a visita íntima, nem acesso a TV,
rádio ou jornal, com direito a apenas duas horas de banho de sol por dia.
Instituído pela Lei Federal 10.792/2003, a constitucionalidade do RDD chegou a
ser alvo de questionamentos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Organizações de defesa dos direitos humanos também criticam o regime.
"O rigor no isolamento causa danos psicológicos
irreversíveis, agravando ainda mais os efeitos nocivos dessa medida. Quando se
mantêm os presos ainda mais distantes da sociedade e da família, rotulados como
grandes inimigos da nação, dificultam-se ainda mais as remotíssimas chances de
ressocialização", escreveu o defensor público federal Gabriel Cesar dos
Santos em artigo publicado em 2018.
Com Inf: EBC | Foto: Depen/divulgação
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