Como funciona e quem faz parte do grupo da Casa Branca que estuda a Bíblia
- 11/04/2018
Pela primeira vez em pelo menos cem anos, integrantes do
gabinete presidencial dos Estados Unidos participam de um grupo que toda semana
estuda a Bíblia. Todas as quartas, algumas das pessoas mais poderosas do mundo
se reúnem em uma sala de conferências em Washington para aprender e falar sobre
Deus.
O local dos encontros é mantido sob absoluto sigilo, por
determinação do Serviço Secreto. Os nomes dos integrantes do grupo, contudo,
não são considerados "segredo de Estado".
O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, o novo secretário de
Estado, Mike Pompeo, a secretária de Educação, Betsy DeVos; o de Energia, Rick
Perry, e o secretário de Justiça, Jeff Sessions, por exemplo, são alguns dos
que estudam a Bíblia juntos. No total, dez membros do gabinete de Trump
participam do grupo. Nem sempre vão a todos os encontros, mas aparecem quando
não têm compromissos já firmados.
As reuniões duram de 60 a 90 minutos e os participantes são
guiados por um professor, com quem podem ter conversas privadas após as sessões
coletivas.
Esse professor, o homem responsável pelos ensinamentos ao
grupo de estudos da Bíblia mais influente dos EUA é Ralph Drollinger, um
ex-jogador de basquete que se converteu pastor. Ex-jogador do Dallas Mavericks,
Drollinger, hoje com 63 anos, se define como "apenas um jogador com
joelhos ruins".
Drollinger cresceu em La Mesa, subúrbio de San Diego, na
Califórnia. Quando criança, raramente ia à igreja. "Fui provavelmente umas
doze vezes", diz ele.
"Sempre me prometia ler a Bíblia. Mas toda vez que
tentava, não fazia muito sentido para mim", diz o agora professor do seleto
grupo de estudos da Bíblia.
Foi no último ano da escola, depois de uma partida de
basquete, que algumas animadoras de torcida o convidaram para estudar a Bíblia.
Ele aceitou o convite e, desde então, Drollinger diz que o mundo dele mudou.
"Foi a primeira vez que eu realmente ouvi a palavra de
Deus. Fui pra casa, li todo o Evangelho de Mateus naquela noite e abri me
coração para Jesus", conta Drollinger.
Em 1972, Drollinger ganhou uma bolsa para jogar basquete e
estudar na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Ele passou a frequentar
a igreja e a assistir aulas sobre a Bíblia. Ao longo dos quatro anos que passou
na universidade, Drollinger disse que se apaixonou pelas escrituras.
Atleta de Cristo
Depois da faculdade, chegou a ser sondado por três times da
NBA, mas acabou recusando todos.
"Senti tanta paixão pelo ministério que tudo ficou sem
graça", diz ele. Assim, em vez de aceitar convites de times como Boston
Celtics ou New York Nets, ele assinou com uma equipe cristã chamada Atletas em
Ação. Jogou basquete ao redor do mundo - em 35 países, contabiliza - e pregou o
evangelho no intervalo.
"Foi perfeito para mim", diz ele, emendando que
não gostava tanto de basquete quanto de pregar.
Drollinger, contudo, acabou virando jogador profissional.
Entrou nos Dallas Mavericks em 1980, mas apenas porque queria ir para o seminário
na cidade. Jogou seis partidas pela NBA e abandonou a principal liga do mundo depois
de uma temporada apenas.
Ao se aposentar do basquete, em 1996, trabalhou com esporte
e migrou para a política. Mas o caminho de Drollinger até a Casa Branca começou
na Califórnia.
Em 1996, a mulher de Drollinger, Danielle, atuava como
diretora executiva de um comitê político na Califórnia, que fazia campanha para
eleger cristãos para ocupar vagas de legisladores liberais. Mas Danielle,
segundo o marido, estava frustrada. "Eles (o comitê) ajudava a eleger
representantes para o capitólio (sede do governo e da legislatura) da
Califórnia, mas logo eles perdiam os princípios cristãos", diz.
Ela desistiu do trabalho e o casal assumiu a direção de uma
igreja em Sacramento, onde passaram a oferecer encontros semanais a políticos e
funcionários públicos para o estudo da Bíblia, além de apoio, orações e
consultas individuas.
Discípulos na
política
Essa igreja e seus cursos deram certo. A Capitol Ministries
cresceu e se expandiu, com a ideia de, segundo a própria página na internet,
"fazer discípulos de Jesus Cristo na arena política em todo o mundo".
Em 2010, a Capitol Ministries chegou a Washington, onde
montou um grupo de estudos da Bíblia para membros do Legislativo, que hoje
conta com cerca de 50 integrantes. Quando quatro participantes foram eleitos
para o Senado, pediram aulas para outros senadores, que começaram em 2015. Em
março do ano passado, dois meses depois de Donald Trump assumir a Casa Branca,
o mesmo processo fez com que um grupo do gabinete presidencial passasse a ter
aulas sobre a Bíblia.
"Trump começou a nomear nomes que já estudavam a Bíblia
na Câmara e no Senado", explica Drollinger, uma tendência que ele atribui
ao vice-presidente Mike Pence, "que sabia quem eram os que realmente
acreditam". Muitos dos indicados por Trump para fazer parte de seu
governo, diz o "professor", tem algo em comum: "São todos fortes
em Cristo".
Assim, o secretário de Justiça, Jeff Sessions, e Tom Price,
ex-secretário de Saúde, decidiram começar o grupo de estudos do gabinete
presidencial.
Drollinger acredita ser este o primeiro do tipo em pelo
menos 100 anos. Havia um grupo na administração de George W. Bush, mas era para
representantes de escalões mais baixos.
O presidente Trump não é integrante do grupo, mas é cristão
e recebe as oito páginas que Drollinger prepara quase toda semana. "Ele me
responde de volta, com anotações", garante o professor. "Ele usa uma
caneta com ponta de feltro da marca Sharpie, com a qual ele escreve, em letras
maiúsculas, 'Muito bem, Ralph realmente gosto desse estudo, continue assim' e
outras coisas assim."
Posições
conservadoras
Os estudos bíblicos semanais de Drollinger não são privados
ou secretos. Qualquer um pode lê-los online.
As aulas da Capitol Ministries são ministradas apenas por
pastores homens. Drollinger tenta justificar a ausência de mulheres ensinando
as palavras de Deus: "Não há proibição [bíblica] da participação da
liderança feminina no comércio, no Estado, sobre as crianças. Mas há proibição
da liderança no casamento e na igreja. Isso está claro nas escrituras. Isso não
significa que a mulher tem menos importância, apenas que têm diferentes
papeis."
Sobre casamento de pessoas do mesmo sexo, o professor
escreveu: "Homossexualidade e cerimônias de pessoas do mesmo sexo são
ilegítimas sob os olhos de Deus. A palavra Dele é repetitiva, perspícua
[claramente expressa] e séria sobre o assunto."
Ele defende o capitalismo, dizendo que direito à propriedade
individual, "também conhecido como livre iniciativa ou capitalismo, é o sistema
econômico governamental que conta com apoio das escrituras". "As
escrituras não apoiam o comunismo", afirmou.
Questionado se os políticos que estudam a Bíblia deveriam
condenar gays à morte, Drollinger diz que não. Afirma que algumas leis civis
que aparecem no Antigo Testamento não se aplicam.
Drollinger se compara a um garçom num restaurante. Essas lições
não são dele, afirma. Diz estar meramente servindo a palavra de Deus, como
revelada na Bíblia, aos cristãos professos. "Se Deus é o chef, então eu
sou apenas o servo, e espero que as pessoas gostem da refeição", diz ele.
"Mas na saída da cozinha, eu não vou alterar o que está no prato. Então,
meu trabalho é apenas ser um servo."
E se as pessoas não
gostarem da mensagem que ele oferece?
"Você vai ter que ir falar com o chef (Deus). A não ser
que eu tenha alterado o que está no prato - o que, graças a minha disciplina,
não faço. "
Para o professor, a Bíblia ensina a separação entre Igreja e
Estado. "Nós temos que diferenciar, mas infelizmente muitos grupos da
direita evangélica advogam para não separar os dois."
Misturando religião e
política
Drollinger garante que nunca diz aos membros dos seus grupos
de estudo como deveriam votar nem as políticas públicas que deveriam tirar do
papel. Mas espera que isso fique óbvio ao transmitir os ensinamentos.
E os alunos de
Drollinger alguma vez já o deixaram desapontado?
Ele diz que sim, quando "uma pessoa obviamente sabe
qual a coisa bíblica a fazer e acaba votando contra o que sabe ser
bíblico".
Drollinger ainda mora na Califórnia, e vai à capital dos EUA
semanalmente para as aulas, que normalmente ocorrem de segunda à quarta. Ele se
define como um "republicano conservador". "Não acho que tem
muita surpresa nisso", diz.
A Capitol Minister é uma organização sem fins lucrativos,
financiada por doações. Ele e a mulher recebem salário, mas diz que não fica
com tudo.
E como ele se sente ensinando a Bíblia numa manhã de quarta-feira
a algumas das pessoas mais poderosas do mundo?
Ralph Drollinger responde: "Um dos sentimentos é: quem
sou eu para estar aqui. Você sabe, tipo Moisés, quando este se questionava se
era a pessoa certa. Sou apenas um atleta com os joelhos ruins, e aqui estou
eu".
"Mas, por outro lado, estou há 21 anos expondo a palavra de Deus, especificamente para que seja aplicada à vida de servidores públicos. Então, nesse sentido, sinto que sou o cara mais qualificado do mundo."
BBC
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