'Pensei que fosse doença da Idade Média': o novo avanço da sífilis no mundo e no Brasil
- 10/04/2018
Casos de doença sexualmente transmissível aumentam em vários países; ausência de sintomas faz com que ela passe despercebida no começo; não tratada, pode causar cegueira, derrames e demência
"Eu pensei que a sífilis era algo da Idade Média, que havia desaparecido e que não era algo que poderia ocorrer nos tempos modernos."
Quem diz isso é Gavin, jovem britânico que descobriu ter a
doença ao realizar um teste caseiro para detectar infecções sexualmente
transmissíveis (DSTs).
Sem apresentar nenhum sintoma da doença, ele teve sorte ao
identificá-la antes de sofrer consequências que poderiam ser muito graves.
"Descobri a infecção na etapa secundária (da doença),
um ano depois do contágio. Depois dessa etapa, a doença pode causar loucura,
cegueira e até mesmo a morte."
O caso de Gavin serve de alerta para um aumento dos casos
notificados de sífilis em diversos países do mundo, incluindo o Brasil.
Na Inglaterra, por exemplo, o número de casos da doença
chegou ao maior nível desde 1949; nos EUA, dados de 2017 apontam que a sífilis
avançou em todas as regiões e na maioria dos grupos etários. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, 5,6 milhões de pessoas contraem
sífilis no mundo.
E é uma infecção que se propaga mais facilmente que outras
DSTs, como gonorreia e clamídia.
No Brasil, a sífilis adquirida (ou seja, em adultos) teve aumento de 27,9% entre 2015 e 2016 (dados mais recentes disponíveis), segundo o Ministério da Saúde. Em 2016, foram registrados 87.593 mil casos em adultos. As infecções por sífilis congênita em bebês, passada de mãe para filho na gestação, cresceu 4,7%.
O ministério disse em 2017 que esses números são resultado
de um desabastecimento da penicilina (medicamento mais efetivo contra a
sífilis), mas também do aumento nos diagnósticos, por conta da distribuição de
testes na rede pública de saúde.
Sintomas (ou ausência deles)
Em alguns casos, os sintomas da sífilis em adultos são:
- úlceras genitais
- erupções generalizadas na pele, ou na palma das mãos e
plantas dos pés
- cansaço e dor de cabeça
- febre e dor nas articulações
O problema é que, diferentemente do que acontece com outras
DSTs, uma pessoa pode estar infectada com sífilis e não apresentar nenhum
sintoma. E, dessa forma, acaba contagiando outras pessoas inadvertidamente.
Foi o caso de Gavin, que descobriu a doença justamente na
fase chamada sífilis secundária, que é a etapa mais contagiosa da doença.
"Eu não tinha nenhum sintoma. Não sabia que estava infectado, porque a doença fica oculta. E você acaba passando ela adiante sem sequer saber", diz à BBC.
A sífilis é provocada pela bactéria Treponema pallidum e
transmitida sobretudo pela via sexual (pela lesão genital que causa), seja
vaginal, anal ou oral.
É, também, transmitida de mãe para filhos durante a gravidez
-e também a segunda maior causa de mortalidade entre recém-nascidos no mundo.
Para cumprir a meta da OMS de eliminar as mortes por sífilis
congênita, o Brasil terá de reduzir a taxa atual de 6,8 casos por mil nascidos
vivos para no máximo 0,5 por mil.
Isso seria factível no curto prazo "porque a sífilis é
facilmente detectada e tratada. Tendo o teste rápido e tendo a penicilina, é
possível alcançar a eliminação (da doença)", disse à Agência Brasil em
2017 Adele Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e
Controle de DSTs, HIV/Aids e Hepatites Virais do ministério.
Tabus e consequências
Mas, entre adultos, a doença ainda enfrenta tabus.
"Falei com alguns amigos sobre a infecção, mas não
disse nada a meus pais. Seria uma conversa muito estranha e
constrangedora", prossegue o britânico Gavin - que também descobriu ser
HIV positivo.
"Você conta com um grande apoio quando tem HIV, há
muita conversa sobre isso. Mas sobre a sífilis não se fala absolutamente
nada", diz ele. "Tampouco se fala dos perigos pelo fato de a infecção
não ter sintomas em algumas pessoas, pelo fato de que se você tem relações
sexuais não protegidas você tem que se submeter a um teste (de DST)."
O tratamento consiste em antibiótico - penicilina benzatina
para adultos e penicilina cristalina em bebês.
É crucial, porém, fazer o diagnóstico o mais cedo possível,
uma vez que, sem tratamento, a infecção pode perdurar anos e causar problemas
sérios de saúde a longo prazo, como derrames, sintomas de demência, perda de
coordenação, cegueira e males cardíacos. E, ainda que a sífilis possa ser
tratada nesse estágio posterior, os danos causados por ela podem ser
irreversíveis.
Por fim, as úlceras genitais causadas pela sífilis são uma porta de entrada para o contágio também pelo vírus HIV, como foi o caso de Gavin.
BBC
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