Senado aprimora Lei de Cotas, e texto já está em vigor
- 10/01/2024
O ano de 2024 começa com uma notícia que interessa a toda a
juventude brasileira: a atualização da Lei de Cotas (Lei 14.723, de 2023). O
Senado se debruçou sobre o tema ao longo do ano passado e aprimorou a política,
que vigora desde 2012. A lei já previa sua revisão dez anos depois. Pela
norma sancionada em novembro, candidatos cotistas tiveram aumentada a
chance de ingressar nos estabelecimentos federais de ensino superior ou de
ensino médio técnico. Dentre outros benefícios, eles passam a concorrer primeiramente
às vagas gerais, e disputam as vagas reservadas apenas se não forem
classificados.
A Lei de Cotas reserva, no mínimo, 50% das vagas em
universidades e institutos federais para estudantes que cursaram todo o ensino
médio em escolas públicas. Com a atualização, a distribuição racial das vagas
ocorre dentro desse percentual, de forma que um aluno negro que estudou o
ensino médio em escola particular, por exemplo, não é beneficiado.
A revisão sancionada reduziu a renda familiar máxima para
participar das cotas, que passa de 1,5 salário mínimo por pessoa para 1 salário
mínimo por pessoa. O texto também inseriu os quilombolas entre os beneficiados
pela reserva de vagas, que já incluía pretos, pardos, indígenas e pessoas com
deficiência. A distribuição das vagas será feita de acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerando a
proporção dessas populações em cada unidade da federação.
Reformulação
A reformulação da Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012),
ocorreu pela aprovação do PL 5.384/2020, cujo relator foi o senador Paulo Paim
(PT-RS). O texto foi analisado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) em
agosto. E pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em outubro. No
mesmo mês, a matéria foi aprovada pelo Plenário, após a aprovação de
requerimento de urgência, e seguiu para sanção presidencial.
Por meio da reestruturação, a Lei de Cotas passou a prever
uma metodologia para atualizar anualmente os percentuais de pretos, pardos,
indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência em relação à população de cada
estado em até três anos da divulgação, pelo IBGE, dos resultados do censo. A
proporção racial deve ser mantida tanto nas vagas destinadas aos egressos do
ensino público de famílias com renda máxima de um salário mínimo quanto nas
vagas dos estudantes de outras faixas de renda.
A norma também fixou a avaliação do programa de cotas a cada
dez anos, com a divulgação anual de relatório sobre a permanência e a conclusão
dos alunos beneficiados. Os alunos optantes pela reserva de vagas que se
encontrarem em situação de vulnerabilidade social também serão priorizados no
recebimento de auxílio estudantil. As novas regras já valem para a
edição de 2024 do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Aumento dos números
Em discurso no Plenário no dia 14 de novembro, um dia após a sanção da nova lei, Paim lembrou que, em 2012, 40.661 estudantes ingressaram no ensino superior da rede federal por meio de ações afirmativas. Esse número subiu para 108.616 em 2022, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) citados pelo senador. Para Paim, a criação e a atualização da Lei de Cotas estão entre as medidas sociais mais importantes da história do Brasil.
— Estou no Congresso há 40 anos e essa é a lei mais
importante [já que] a liberdade passa pela Educação. Antes da política de
cotas, nós tínhamos em torno de 6% de negros, negras, deficientes, quilombolas,
nas universidades. Hoje, estamos em torno de 40%, até um pouco mais. Isso
mostra que a política de cotas está cumprindo seu papel. É o Brasil negro,
indígena, deficiente se encontrando na sala de aula — comentou o senador.
Concursos públicos
O aumento de vagas para negros em concursos públicos também
foi foco da atenção dos senadores em 2023. O PL 1.958/2021, aprovado em
dezembro pela CDH, prorroga por 25 anos e amplia para 30% a reserva de vagas em
concursos públicos para negros. O texto do projeto se assemelha ao da Lei
12.990 de 2014, que estabeleceu cotas de 20% das vagas para negros em concursos
e cujo prazo de vigência se encerra em 9 de junho de 2024. De autoria de Paim,
a matéria foi aprovada na forma do novo texto apresentado pelo relator, senador
Fabiano Contarato (PT-ES). A proposição seguiu para a Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ), que dará o parecer final.
De acordo com a proposta, serão reservadas para pessoas
negras 30% das vagas disponíveis em concursos públicos e em processos seletivos
simplificados de órgãos públicos, sempre que forem ofertadas duas ou mais
vagas. Desse percentual, metade será destinada especificamente a mulheres
negras, podendo ser redistribuída aos homens nas situações em que não houver
candidatas suficientes. Quando esse cálculo resultar em números
fracionários, eles serão arredondados para cima se o valor fracionário for igual
ou superior a 0,5, e, para baixo, nos demais casos. A reserva também será
aplicada às vagas que, eventualmente, surgirem depois, durante a validade do
concurso.
Serão consideradas pessoas negras aquelas que assim se
autodeclararem e apresentarem características que possibilitem seu
reconhecimento social como negras, o que deverá ser verificado conforme
processo definido em cada edital. Caso a autodeclaração seja indeferida, o
candidato ainda poderá disputar as vagas destinadas à ampla concorrência,
exceto se houver indícios de fraude ou má-fé, situação em que será excluído do
concurso. Se já tiver sido nomeado para o cargo, terá a sua admissão anulada.
Contribuições
Contarato disse ter recebido contribuições do Executivo,
sobretudo do Ministério da Igualdade Racial (MIR), em conjunto com o Ministério
dos Povos Indígenas (MPI), o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços
Públicos (MGI), e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), para
construir a emenda substitutiva que aumentou o percentual mínimo das vagas
reservadas às pessoas negras, de 20% para 30%, a ser aplicado sempre que o
número de vagas oferecidas for igual ou superior a dois.
Isso porque, segundo Contarato, os dados revelam que a
presença da população negra no âmbito da administração pública federal é bem
abaixo do que se visava, devido a brechas nos concursos públicos que
possibilitaram a não observância do que prevê a Lei 12.990, de 2014.
“Por exemplo, o extremado fracionamento de vagas, que também
buscamos solucionar com a emenda apresentada. Assim, temos pressa para que a
população negra, que hoje representa cerca de 56% da sociedade brasileira,
tenha participação efetiva nas instâncias decisórias”, diz no parecer.
Também é de Contarato a previsão, no relatório, de que 50%
das vagas reservadas às pessoas negras sejam destinadas especificamente às
mulheres negras. Essa disposição é necessária, de acordo com o parlamentar,
porque a sub-representação das mulheres negras é agravada, mesmo frente aos
homens negros, na administração pública federal, conforme demonstrado pelos
dados do Atlas do Estado Brasileiro do IPEA (plataforma de dados integrados
sobre o funcionalismo público, em seus três níveis federativos — federal, estadual
e municipal — e dos três Poderes). Na hipótese de não haver mulheres negras
para a ocupação das vagas reservadas, as remanescentes serão revertidas aos
demais candidatos negros, de acordo com a ordem de classificação.
Contratação temporária
Segundo o projeto aprovado pela CDH, a política de reserva
de vagas deverá igualmente ser observada nos processos seletivos simplificados
para o recrutamento de pessoal nas hipóteses de contratação por tempo
determinado. O intuito é atender a necessidade de que trata a lei sobre
contratações temporárias (Lei 8.745/1993), para os órgãos da administração
pública federal direta, as autarquias e as fundações públicas.
Adicionalmente, os órgãos e entidades estabelecerão em seus
editais de concursos públicos e processos seletivos simplificados a reserva de
vagas especificamente para indígenas e quilombolas, de acordo com
regulamentação. No âmbito dos concursos para provimento de cargos efetivos no
Ministério dos Povos Indígenas e na Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai), serão reservadas a indígenas de 10% a 30% das vagas oferecidas.
“Essas previsões objetivam tirar essa minoria social da
invisibilidade e incluí-la nas instâncias federais especializadas da
administração pública, a fim de que possa contribuir ativamente para a
sociedade da qual é parte. Apresentamos também regras para a identificação de
negros e para a nomeação dos candidatos aprovados; as providências a serem
tomadas na hipótese de indícios ou denúncias de fraude ou má-fé no procedimento
de confirmação da autodeclaração”, explica Contarato.
Regulamento
Em razão da variedade de características próprias de cada
concurso, Fabiano Contarato atribuiu a regulamento a previsão de medidas
específicas para evitar o fracionamento de vagas que acarrete prejuízo à
reserva de vagas e de outras políticas. A emenda também estabelece que a
instituição de metas de representatividade étnico-racial na composição dos
quadros funcionais dos órgãos e das entidades da administração pública federal
levarão em conta percentuais de raça da população apurados pelo IBGE.
O prazo de 25 anos para revisão da lei, caso aprovada,
considera o fato de que os concursos e os processos seletivos simplificados são
heterogêneos, segundo Contarato. Caso os objetivos sejam atendidos antes do
esperado, os órgãos responsáveis pelo acompanhamento e monitoramento da ação
afirmativa divulgarão essa informação.
“A reserva de vagas é medida necessária, adequada e
proporcional para que, no futuro, se alcance a igualdade de acesso por todos os
brasileiros, também no âmbito da administração pública federal. A Constituição
Federal prevê a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e assegura a todos
a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, ressalta o
relator.
Com Inf: Agência Senado | Foto: Marcello Casal Jr. / Agência
Brasil
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