Submetidos a quase escravidão, cubanos querem ficar no Brasil
- 10/12/2018
Uma ampla reportagem do
jornalista José Albertu Gutiérrez na revista IstoÉ traçou um quadro ainda mais
estarrecedor sobre os porões do programa Mais Médicos. Depoimentos, áudios e
trocas de mensagens revelam que os médicos cubanos viviam quase como escravos
no Brasil. Vigiados por agentes enviados por Havana, não podiam sair de um
município a outro sem autorização mesmo nas folgas, eram assediados sexualmente
e até extorquidos, e agora, os que não querem voltar à ilha está sofrendo
ameaças.
Em 29 de novembro, a doutora
Dayaimy González Valon, 38 anos, integrante do programa "Mais
Médicos", anunciou em transmissão ao vivo pelo youtube uma decisão,
segundo ela, de caráter irrevogável: preferia permanecer no Brasil a regressar
ao flagelo da ditadura cubana. "É uma decisão da qual não me
arrependo", desabafou ela, que havia desembarcado no Brasil no dia 12 de
outubro de 2016, com destino ao município de Paranatinga, interior de Mato
Grosso, em substituição a um colega. Nesses dois anos, além de atender aos
moradores da cabeceira municipal, a médica viajou exaustivamente pela região
para atender à população de cinco assentamentos rurais e duas comunidades
indígenas.
Apenas 20 minutos após a
declaração de ruptura, a médica recebeu a ligação do coordenador estadual da
Brigada no Mato Grosso, Dr. Leoncio Fuentes Correa. A conversa começou amena e
rapidamente degenerou para o tom ameaçador. "Pense bem doutora, eu apenas
sugiro (?) no final, se você ficar aqui, você sabe que não vai entrar em Cuba
por oito anos. E você tem família em Cuba (?) e se algo acontecer com um de
seus familiares, que tomara não aconteça, você não poderá entrar no país
(?)", afirmou. "Se você não entrar nesse voo (marcado para 7 de
dezembro), eu te reportarei por abandono do posto. Quando eu preencher essa
ficha, ela automaticamente vai para a imigração e em oito anos você não poderá
ir a Cuba. Isso não tem retorno", advertiu o coordenador numa ligação de
sete minutos gravada pela médica.
Apesar de não ser uma norma
escrita, os cubanos que saem do país enviados pelo governo para as chamadas
"missões internacionalistas", sejam médicos, esportistas ou maestros,
e decidem abandonar os contratos laborais, são banidos e proibidos de voltar
durante o período de oito anos. "O castigo é arbitrário e busca punir de
maneira exemplar àqueles que ousam desobedecer. Nega o direito de entrar na
nossa própria terra e o direito de conviver com nossos familiares",
lamenta a Dra. Nora Salvia, que saiu da Missão Bairro Adentro na Venezuela em
2014 e é uma das fundadoras do Grupo NoSomosDesertores, que pressiona pela
suspensão da norma.
Vigilância permanente
Leôncio Fuentes é um dos 36
consultores internacionais contratados pela Opas (Organização Pan-Americana da
Saúde), ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde), para o biênio 2018-2019.
Todos, sem exceção, funcionários cubanos com cargos nas instituições de saúde
em Cuba. Assim como também é cubano o representante da entidade regional no
Brasil, Joaquin Molina, que, antes de ingressar na Opas, em 1991, ocupara altos
cargos no Ministério de Saúde da ilha caribenha. Travestidos de
"consultores internacionais", os funcionários cubanos compuseram e
ainda compõem no Brasil - ao menos enquanto aqui estiverem - uma rede de
vigilância montada pelo regime para exercer controle total sobre os
profissionais enviados pela ilha - tratados por esses agentes cubanos quase
como escravos desde que desembarcaram em solo brasileiro. Emails, mensagens e
depoimentos obtidos pela IstoÉ lançam luz sobre a atuação desta rede de
verdadeiros capatazes em Santa Catarina, Rio Grande Sul, Rio de Janeiro, Bahia,
Mato Groso, Goiás e Pará. Era para esses "consultores" da Opas que os
médicos deviam informar sobre cada passo. Desde visitas familiares que
receberiam de Cuba até meras saídas para outros municípios fora do horário do
expediente. Os agentes cubanos controlavam para que a permanência dos parentes
no Brasil não excedesse três meses, sob pena de o profissional ser desligado do
programa Mais Médicos. Segundo o relato de uma médica cubana, para comprovar o
retorno para Cuba do marido, foi exigido o envio do cartão do embarque. No caso
de viagens para fora dos municípios de atuação, mesmo nas folgas, médicos
relataram que deviam ter autorização do coordenador para se deslocar,
informando o endereço onde ficariam. Caso contrário, eram punidos.
Controle autoritário
Médicos cubanos ouvidos pela
IstoÉ que decidiram romper com o regime e ficar no Brasil denunciaram outras
situações de autoritarismo, descaso, abuso de poder e até assédio sexual por
parte dos coordenadores cubanos. "Ele me fez sofrer muito, me ofendia, me
humilhava, me chamava de indisciplinada e ameaçava analisar meu caso e me
desligar", relata uma médica que foi vítima de assédio sexual do seu
superior estadual durante um longo período. "Passei a gravar as
conversas", acrescenta.
O coordenador, segundo ela,
"oferecia pagar a passagem" para a capital do estado, a mais de 380
km da região onde a médica exercia, para "relaxar um pouco no hotel com
ele". Aflita com a situação, a médica decidiu contar para uma colega em
outro município, que confessou ter recebido os mesmos apelos e afagos do
coordenador.
O cubano Alioski Ramirez Reyes
rompeu com o regime em 2017. Ao finalizar o contrato de três anos no Mais
Médicos, também optou por não voltar ao seu país. E vivenciou a pressão dos
emissários de Havana. "Tive a amarga experiência de receber a senhora
Amaylid Arteaga García (assessora estadual) na minha casa. Fez uma serie de
denúncias e ameaças porque, supostamente, meu nome estaria na lista de 180
médicos que haviam entrado na Justiça do Brasil pelo direito de assinar um
contrato individual no Programa Mais Médicos. Disseram que iam me colocar no
primeiro avião para Cuba e que estavam avaliando invalidar meu diploma de
medicina", conta. "Eles ameaçam sempre de forma verbal, não deixam
registros", explica. Por não retornar para Cuba, Alioski foi expulso do
Partido Comunista pela estrutura partidária montada pelos cubanos no Brasil.
Arrecadação
Quiçá o fato mais revelador de
que os assessores da Opas não passavam de comissários políticos comandados pelo
regime foi o mecanismo estruturado nas 27 unidades federais do País para a
arrecadação mensal de uma contribuição partidária. Não bastassem os 75%
tungados dos respectivos salários, os médicos filiados ao Partido Comunista
eram obrigados a entregar mensalmente no Brasil uma contribuição de R$ 24.
O dinheiro era arrecadado em cada
município e transferido para a conta do coordenador estadual, que por sua vez
repassava os valores para a Coordenação Nacional em Brasília. Estima-se que,
por essa via, os cubanos podem ter arrecadado no Brasil mais de R$ 1,7 milhão
extra, em nome do Partido Comunista. Operado sob sigilo total, o esquema era de
conhecimento geral dos médicos cubanos, mesmo entre aqueles não filiados ao
partido.
Para falar do assunto, mantido a
sete chaves, os coordenadores usavam códigos. O dinheiro era "Bola",
"Maçã" ou "Pinhata" e os militantes eram
"peloteros", termo usado em Cuba para designar "jogador de
beisebol", o esporte nacional. "Uma amiga do Partido me explicou o
significado do código, que vi pela primeira vez em um e-mail enviado para todos
os médicos. Também tivemos algumas reuniões de colaboradores em Porto Alegre e,
no final, a coordenadora se reunia com seus "peloteros", conta a Dra.
Eva Maria Arzuaga Duanys, 44 anos, que mora em Barros Casal, Rio Grande do Sul.
Num grupo fechado de médicos no
Facebook, a revolta com a decisão cubana de deixar o Mais Médicos extravasou e
o sigilo partidário foi quebrado. Os cubanos protestavam pelo pouco tempo
fornecido a eles para organizar o envio dos pertences para Cuba, pela falta de
dinheiro para transportar eventualmente uma carga e a ausência de informações
sobre o traslado. "Onde estão os nossos coordenadores? Para cobrar o
dinheiro da contribuição do partido ligam pelo WhatsApp, mas para dar uma resposta
que merecemos ninguém aparece", escreveu uma médica.
Na conta de quem?
De 2013 a 2018, a Opas contratou
120 desses consultores internacionais, conforme os Planos de Trabalho
divulgados pela entidade desde 2014 e de um relatório do TCU (Tribunal de Contas
da União) que analisou os primeiros desembolsos do governo federal em 2013.
Além de apontar "obscuridade na relação" Opas-Cuba, o TCU questionou
a contratação de 20 assessores internacionais para os primeiros sete meses do
programa, pelo salário de R$ 25.000 por mês. O TCU pediu esclarecimentos sobre
o papel deles no projeto, sendo que o Mais Médicos já previa tutoria de
profissionais brasileiros para os cubanos. O salário dos consultores estava
incluído nos custos do Programa e era repassado pelo Ministério da Saúde à Opas
no montante para pagamento dos bolsistas, passagens, diárias, seguros e ajudas
de custo para a instalação dos médicos nos municípios.
Sustentar a vigilância opressiva
cubana teria custado aos cofres públicos R$ 52,1 milhões, transferidos à Opas
como pagamento de assessores. De acordo com médicos cubanos entrevistados, os
coordenadores recebiam líquido R$ 11.800, o que indica que Cuba também aplicava
confisco salarial aos seus homens de confiança. Até março deste ano, o
Ministério da Saúde havia desembolsado mais de R$ 6,6 bilhões pela permanência
dos cubanos no programa. Considerando que a entidade regional ficava com 5% do
líquido dos recursos, a Opas faturou pelo menos R$ 330 milhões em cinco anos de
Mais Médicos.
Diferentemente do que acontece
com os médicos brasileiros e de outras nacionalidades, os cubanos recebiam
apenas R$ 2.976,26 dos R$ 11.800 referentes à bolsa paga pelo Mais Médicos. A
retenção salarial pactuada entre o governo petista de Dilma Rousseff e o regime
de Cuba foi possível graças ao mecanismo usado para a contratação dos cubanos.
De acordo com o 80º Termo de
Cooperação Técnica assinado pelo PT, a entidade ficou responsável pelo
fornecimento de profissionais de saúde para atendimento da população
brasileira. Os cubanos chegaram então ao programa não através de contratos
individuais com o Ministério da Saúde, mas como parte de um acordo de
cooperação entre a Opas e Cuba. Segundo o contrato, o governo brasileiro
entregava à Opas o valor total dos salários e das ajudas de custo, que são
repassados integralmente para Cuba. O governo cubano se encarregava de fazer a
remuneração dos médicos através de depósitos que saíam da Embaixada de Cuba em
Brasília. Cuba ficava com a maior parte da ajuda de custo oferecida pelo programa
para a instalação dos médicos participantes, além de embolsar 75% dos
vencimentos dos médicos. O que sobrava do confisco constituía o
"prêmio" por suportar aqui, em solo brasileiro, as atrocidades
típicas do regime cubano perpetradas por agentes travestidos de consultores
internacionais. Tudo pago com o nosso dinheiro. (
Alerta Paraná|Foto:
Informebaiano.com.br
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