Reforma tributária pode onerar cesta básica, alertam especialistas
- 03/07/2023
O projeto substitutivo da reforma tributária apresentado na
Câmara dos Deputados pode aumentar impostos de alimentos que formam a cesta
básica da população brasileira, segundo alertaram especialistas ouvidos pela
Agência Brasil. Por outro lado, o coordenador do grupo de trabalho da reforma
na Câmara, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), afirma que o tema ainda
está em debate e que parlamento não deve permitir aumento de imposto sobre
alimentos básicos para os mais pobres.
O ex-secretário Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional de 2013 a 2016 e membro do Instituto Fome Zero, Arnoldo de Campos,
avaliou como “escandaloso” o trecho sobre alimentos do substitutivo da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC 45/2019) apresentado pelo deputado federal
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Campos lembra que um dos pontos positivos do atual sistema
tributário brasileiro é o imposto zero - tanto federal, quanto estadual - para
produtos hortifrutigranjeiros (saladas, verduras, raízes, tubérculos, frutas,
leite, ovo), considerados mais saudáveis. O problema, segundo o especialista, é
que o artigo 8º do parecer preliminar da reforma prevê que “alimentos
destinados ao consumo humano” podem ter as alíquotas reduzidas em 50%. Com
isso, alimentos hoje totalmente isentos seriam tributados, ainda que com
alíquotas menores.
“Vamos aumentar os impostos significativamente dos in natura
e minimamente processados, que é a base da alimentação saudável, que a gente
quer estimular e o que tá causando inflação. Nós vamos encarecer a cesta
básica”, afirmou o especialista, que hoje atua como consultor da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). “Para mim é um
escândalo”, acrescentou.
A Oxfam Brasil compartilha dessa preocupação. O coordenador
de Justiça Social e Econômica da entidade, Jefferson Nascimento, argumenta que,
apesar do artigo 8º prever uma alíquota menor, ela será maior “do que aquela
que a gente vivencia hoje em diversos produtos da cesta básica. Então isso com
certeza é algo preocupante”. A Oxfam Brasil é uma organização sem fins
lucrativos que atua no combate às desigualdades e à pobreza, sendo uma das 70
entidades que assinaram o Manifesto pela Reforma Tributária Saudável, Solidária
e Sustentável.
As grandes varejistas da alimentação também demonstraram
preocupação. Em nota, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) opinou
que “como o texto não deixa expresso qual será a alíquota de referência do IVA
(Imposto sobre Valor Agregado), a cobrança de uma alíquota reduzida pode, sim,
onerar produtos que hoje são isentos, causando um aumento de preços
generalizado em itens que compõem a cesta básica”.
Responsável pela política do governo federal para produção
de alimentos para consumo interno, o ministro do Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse à Agência Brasil que está
dialogando com o relator, Aguinaldo Ribeiro, e com o deputado Reginaldo Lopes,
“no sentido de não tributar alimentos saudáveis, evidentemente eu acho que tem
que ter uma tributação para os ultraprocessados”. O ministro acrescentou que se
o texto for mesmo causar aumento da tributação de alimentos “o governo deve
dialogar com o Congresso para evitar (o aumento)”.
O coordenador do grupo de trabalho de reforma, deputado Reginaldo Lopes, em entrevista à Agência Brasil, ponderou que o tema dos alimentos da cesta básica ainda está em discussão e pode ser alterado. “Nós vamos avaliar. O nosso primeiro compromisso é não ter aumento de imposto e menos ainda para o povo mais pobre”.
O parlamentar acrescentou que o mecanismo de cashback, que é
a devolução de parte do dinheiro gasto com a compra de algum produto, deve
compensar qualquer eventual aumento de tributo, além de considerar que é uma
forma mais eficiente de se fazer justiça tributária em comparação com as
desonerações que hoje existem para os alimentos.
A reportagem da Agência Brasil procurou o relator da
matéria, deputado Aguinaldo Ribeiro, para comentar o tema, mas a assessoria
informou que ele não teria tempo devido a agenda de reuniões sobre a reforma
tributária. A expectativa é que o tema seja votado no plenário da Câmara até a
segunda semana de julho.
Cashback
O texto da reforma prevê o cashback ao incluir a previsão de
“hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, inclusive os limites e os
beneficiários”, o que deve ser regulamentado em lei posterior, sem prazo
definido. A Oxfam Brasil, em nota, alertou que o mecanismo é de difícil
implementação, além de destacar que o tempo “entre o estabelecimento do IVA e a
regulamentação do cashback pode deixar milhões de famílias de baixa renda expostas
ao aumento da alíquota sobre produtos essenciais, a depender da revisão da
desoneração de itens da cesta básica”.
O pesquisador do Instituto Fome Zero, Arnoldo de Campos,
argumenta que boa parte dos trabalhadores brasileiros está no mercado informal,
o que deve dificultar a devolução de valores pagos. “Esse negócio que o
cashback vai resolver, não vai resolver. Ele come ali no ponto de ônibus. Ele
come é a quentinha que está sendo vendida lá por R$12,00, ele tá na economia
informal. Como é que ele vai gerar crédito?” questionou o especialista.
Para o coordenador do grupo de trabalho da reforma,
Reginaldo Lopes, é possível fazer a devolução via cashback de forma eficiente,
sendo essa uma política mais justa do ponto de vista da desigualdade uma vez que
hoje tanto o rico quanto o pobre recebem a mesma desoneração dos
alimentos.
“Então você onera uma parte (mais rica) e desonera outra
devolvendo o dinheiro para os mais pobres criando o cashback. Nossa reforma é
para melhorar a vida do povo, é para dar eficiência produtiva. Porque hoje o
nosso modelo é imposto sobre imposto”, explicou. O petista acrescentou que há
outras possibilidades sendo discutidas na Câmara, como a revisão de parte dos
itens da cesta básica. “A gente revisita a cesta básica e, em vez de isentar os
1.300 produtos, isentamos alguns produtos mais importantes e nos outros
devolvemos em cashback”, revelou.
Para o parlamentar, a desoneração não é eficiente porque não
há garantias de que ela chegue no preço final do alimento. “Eu faço uma
alíquota diferenciada por setor, sabe o que acontece? Ela é incorporada na
margem de lucro da empresa” afirmou. Para Reginaldo Lopes, “o cashback é um
instrumento que você focaliza a desigualdade e resolve ela”.
Com Inf: EBC | Foto: Geraldo Bubniak
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