Saúde: os prós e contras de tomar leite, um dos alimentos mais controversos da atualidade

  • 25/06/2018

Um dos alimentos mais controversos da atualidade, o leite divide opiniões de profissionais de saúde que se digladiam entre críticas e elogios ao tratar dos efeitos da bebida no corpo humano. Considerado um alimento de alta densidade nutricional – com mais nutrientes do que calorias – e importante na alimentação por causa da quantidade de cálcio, é apontado também como de difícil digestão pelo organismo e cada vez mais associado a problemas de saúde. É como se o alimento fosse, ao mesmo tempo, bom e ruim. Veja o que dizem os especialistas:

Nosso corpo está adaptado?

Para quem é contra o consumo de leite, a multiplicação dos casos de intolerância à lactose e alergia à proteína do leite de vaca já é motivo suficiente para redução ou abolição total da bebida do cardápio. Para entender o aumento de problemas causados pelo leite, é preciso olhar para a produção do alimento e para o estilo de vida das pessoas

De acordo com o nutricionista e farmacêutico bioquímico Gabriel Carvalho, o uso de antibióticos por humanos destrói a flora intestinal, o que aumenta o risco de intolerância a lactose e a alergia a proteína do leite de vaca. Quem tem o intestino preso, come poucas frutas e verduras, e abusa de açúcares também está propenso a ter esse tipo de sensibilidade.

O perfil da alimentação faz toda diferença para determinar se o indivíduo terá ou não alguma intolerância ao leite. Dietas pouco nutritivas e repletas de alergênicos – gordura hidrogenada, agrotóxicos, farinha branca e açúcar – tornam o organismo mais vulnerável. A nutricionista funcional Melissa Suarez lembra que a gestante que tem esse perfil de alimentação pode gerar no bebê a tendência a ter intolerância ao leite.

Outra ponderação repetida por especialistas é que o ser humano é o único mamífero que consome leite de outras espécies na vida adulta.

“O organismo humano não está adaptado para tomar leite de outros animais. O leite de vaca é feito para o bezerro”, afirma Carvalho.

Outro ponto negativo é que o leite tem muito mais proteína do que o corpo humano consegue digerir, o que, segundo Melissa, sobrecarrega os rins e compromete a absorção de cálcio, a principal vantagem da bebida.

“Os benefícios são para crianças e adolescentes (meninos até 18 e meninas até 15 anos). O leite é uma grande fonte de cálcio e o consumo nessa faixa etária está associado a maior ganho de massa óssea. Mas acabam aí os benefícios já documentados do leite e que funcionam para todo mundo. O resto é só problema”,  enfatiza Carvalho.

O nutricionista afirma que a hipersensibilidade a substâncias do leite podem ser uma das causas de doenças como sinusite, ansiedade e até depressão:

“O leite, normalmente, é um vilão para as pessoas com queixas de saúde. Para ampla maioria dos pacientes, o leite não é todo problema, mas é um deles. A maioria das pessoas que chegam no consultório não tem ideia que tem intolerância à lactose.

A causa não é o consumo, mas como o corpo reage ao leite. Assim, defende Carvalho, se o paciente arrumar todo o resto da alimentação, talvez, no futuro, possa voltar a tomar leite, mas em uma quantidade menor.

Sintomas de intolerância à lactose

Podem variar dependendo do nível de intolerância e o estado inflamatório de cada pessoa.

Estufamento

Desconforto

Diarreia

Dor de cabeça

Mal-estar

Dor de estômago

Sintomas de alergia à proteína do leite

Cólica

Urticária

Vômito

Baixo ganho de peso

Sangue nas fezes

É mais comum em crianças

Contras

Dois dos principais componentes do leite – lactose e proteína – geram cada vez mais problemas na população

É de difícil digestão

Não é mais “cru” como no passado e perdeu probióticos que ajudam na sua digestão

Produção em larga escala estimula uso de hormônios nas vacas e conservantes no processo de pasteurização

A versão sem lactose não resolve para quem tem hipersensibilidade ao leite. Tem os mesmos hormônios e aditivos da versão convencional

Consumo de antibióticos destrói a flora intestinal e aumenta a probabilidade de intolerância à lactose

Tem muito mais proteína do que o corpo consegue digerir, o que sobrecarrega os rins

PRÓS

Tem alta concentração de cálcio,dificilmente encontrada na mesma proporção em outros alimentos

Tem alta densidade nutricional: mais nutrientes do que calorias

A gordura do leite aumenta o colesterol bom

É benéfico para hipertensos

Produz saciedade

A versão semidesnatada é recomendada para quem quer perder peso

A versão integral ajuda na absorção da vitamina D

Cálcio, a principal vantagem

Composto mais benéfico do leite e também muito celebrado por seus defensores, o cálcio é encontrado de forma concentrada na bebida. Cada copo de leite tem 240 miligramas do mineral.

Em geral, adultos precisam consumir 1 mil miligramas de cálcio por dia para a manutenção da massa óssea. Ou seja, quatro copos de leite. A médica nutróloga Jaqueline Coelho lembra que, para obter a mesma quantidade de cálcio oferecida por um copo de leite por fonte vegetal, é preciso consumir, por exemplo, de quatro a cinco xícaras de couve por dia. Índice que ainda é menos de um terço da necessidade diária.

A nutricionista Marcia Gowdak, diretora do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), afirma que, em geral, a população consome 400 miligramas de cálcio por dia, o que está bem abaixo do ideal.

“Além da perda da massa muscular, que vem com a idade, tem o problema da osteoporose e da osteopenia (fase que antecede a osteoporose)”,  afirma.

“A gente tem uma geração de pacientes com osteoporose devido à falta de cálcio. O discurso de que não pode usar leite é muito forte – considera Daniel Souto Silveira.

Possíveis substitutos

Os defensores do leite também argumentam que a absorção do cálcio por outros alimentos não é a mesma. Marcia Gowdak diz que o índice de absorção proporcionado pela bebida é de 30%, enquanto que o do brócolis e da couve, por exemplo, é de 5%. No caso dos vegetais, é a fibra que diminui muito a capacidade de absorção de cálcio.

“O leite já vem com o pacote completo. Para se obter cálcio, leite é insubstituível”,  afirma Marcia.

Até agora, quem melhor desempenha o papel de substituto é o leite de soja. Segundo Marcia, há uma série de opções no mercado com a mesma quantidade de cálcio do que o leite de vaca – e que proporcionam a mesma absorção do nutriente pelo organismo.

A nutricionista Melissa Diniz considera que é possível fazer equilíbrio de cálcio com sementes oleaginosas (castanha-do- pará, macadâmia, nozes e gergelim), grãos integrais e verdes folhosos (couve, rúcula e espinafre).

“O recomendado é comer três porções de vegetais por dia e variar de cinco a sete folhas por vez. Se tomar um suco verde de manhã, já elimina uma das vezes. E no almoço e jantar consome as outras duas”, exemplifica.

Melissa recomenda que a opção para aumentar a absorção do cálcio, neste caso, deve ser feita com a combinação de gordura monoinsaturada e insaturada (azeite de oliva, castanha e gergelim), magnésio (presente nas folhas verdes) e um nível baixo de proteína (encontrado em legumes, frutas e sementes).

É possível otimizar a absorção de cálcio com uma dieta baseada em frutas, vegetais e sementes. Também dá para simular laticínios vegetais, como leite e queijo de sementes. Com isso, a gente consegue com que nossa memória afetiva com a bebida esteja contemplada – argumenta Melissa.

Qual a recomendação para crianças?

Se até anos atrás o consumo de leite entre as crianças era uma unanimidade entre os profissionais de saúde, agora não é mais. Há quem defenda que, após o desmame, não é preciso mais ingerir leite – do mesmo modo que os demais mamíferos. Para a nutricionista Melissa Diniz, o mais importante é uma dieta equilibrada: uso de sementes, verdes folhosos e frutas. O leite a partir dos dois anos é dispensável.

Já o pediatra nutrólogo Matias Epifanio, da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, defende que é impossível atingir diariamente o aporte de cálcio necessário para uma criança sem o consumo de leite e seus derivados.

“Para uma criança chegar ao consumo de mil miligramas de cálcio por dia, ela precisa de três porções de leite. Para chegar a algo perto disso, teria de comer 30 folhas de espinafre. É muito difícil chegar a isso”,  pondera o especialista.

Bebida láctea e leites adaptados

Epifanio explica que é fundamental formar a massa óssea durante a infância e a adolescência. Aos 18 anos, é preciso consumir 1,3 mil miligramas de cálcio por dia. Há estudos que mostram que crianças que não tomam leite têm maior risco de fratura, menos estatura e massa óssea menor, sem contar o risco aumentado de adquirir osteoporose ao longo da vida.

“O consumo de leite é fundamental no momento em que não tem outro alimento que substitua o cálcio. Se criou um mito com o leite, que depois de uma idade não precisa mais. Isso é uma mentira”,  enfatiza Epifanio.

Substituir leite por bebida láctea é outro erro. Ela não tem o mesmo índice nutricional e possui quantidade baixa de cálcio. A melhor opção ao leite de vaca – que pode ser consumido a partir de um ano – são os leites adaptados para crianças, concentrados em vitaminas, ferro e sódio. A bebida tem uma carga proteica específica para a faixa etária e, nutricionalmente, é mais eficiente do que o leite de vaca.

O leite mudou?

O leite não é mais um alimento probiótico como era antes, quando tinha bactérias que ajudavam a digerir a lactose. A nutricionista funcional Melissa Suarez explica que essas bactérias faziam boa parte da quebra das moléculas de lactose, demandando menos trabalho do nosso sistema digestivo:

“Agora, nós fazemos o trabalho dessas bactérias e, por não conseguir digerir, parte dessas moléculas fica circulando como corpo estranho dentro do nosso organismo. Por isso, estamos sempre ativando nosso sistema imunológico para nos defender do leite. Isso gera um estresse oxidativo”, diz.

Os aditivos usados para venda de leite em larga escala são a causa dessa mudança. O fato de as vacas receberem hormônios para produzirem mais leite desequilibra o metabolismo hormonal do humano, sem contar que, no processo de pasteurização, são adicionados outros conservantes.

“Se o leite fosse mais in natura, causaria menos danos. No passado, digeríamos ele melhor porque era mais cru, tínhamos acesso às enzimas do leite, e o corpo conseguia se defender melhor. Mas o principal problema é tomar leite todos os dias. O leite da vaca não é ideal para o ser humano, é ideal para a vaca. É ideal para um bicho que tem cinco vezes mais do que o nosso peso, com um intestino muito maior do que o nosso”,  afirma Melissa, que aboliu o leite da alimentação há 10 anos.

Ainda sobre o sistema de produção de leite, o nutricionista Gabriel Carvalho lembra que a qualidade da ração usada no Brasil é questionável, uma vez que permite um nível de micotoxinas (toxinas de fungos) extremamente alto – o que acabamos ingerindo e tendo que metabolizar.

E para os cardíacos?

Na avaliação de médicos especialistas em doenças cardíacas, o leite está mais para mocinho do que vilão. A bebida tem basicamente três tipos de ácidos graxos (gordura saturada): esteárico, palmítico e mirístico. O primeiro, que também é encontrado no chocolate, não aumenta o colesterol ruim, LDL, que tem a capacidade de obstruir as artérias. Os dois últimos aumentam o mau colesterol ao mesmo tempo que sobem o HDL, o colesterol bom.

Por isso, quem tem problema cardiovascular não tem necessidade de abolir a bebida da alimentação, assegura a nutricionista Marcia Gowdak, diretora do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

“O que pode ser feito, para quem tem colesterol alto, é usar o semidesnatado, já que o desnatado não sacia da mesma forma. Normalmente, as pessoas com colesterol alto começam a cozinhar sem óleo, consumir leite desnatado e, com isso, o colesterol bom também despenca, o que é ruim, já que ele depende do consumo de gordura saturada. É errado pensar que tem que abolir gordura saturada – afirma Marcia.

A bebida ainda traz benefícios para quem tem pressão alta. Por ser rico em minerais, cálcio, magnésio e potássio, o leite ajuda no controle da pressão arterial e é importante para a musculatura, frisa a nutricionista Aline Dalmazo, da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Socergs).

A profissional diz que o leite tem presença garantida na Dieta Dash – sigla de Dietary Approaches to Stop Hypertension – criada para reduzir a pressão arterial e ajudar na perda de peso e no controle do diabetes. Dentro dessa dieta, leite e seus derivados estão presentes em duas a três porções diárias.

“O leite é muito demonizado por um grupo de pessoas que é contra seu consumo. Isso é muito ruim, porque perdemos com isso. Quando se retira o leite, sem substituir por seus derivados, acaba-se tirando de 20 a 30 gramas diárias de proteína da alimentação”, avalia Marcia.

Por ser uma fonte proteica interessante, o leite dá saciedade e ajuda a ingerir uma quantidade menor de calorias, o que é positivo para cardíacos, de acordo com o presidente da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Daniel Souto Silveira.

“Quem é cardíaco pode beber leite. E precisa ter em mente o controle de peso. É possível até que tenha que priorizar o leite em detrimento a outros alimentos”, diz Silveira.

A diferença entre integral, semi e desnatado

INTEGRAL

Tem no mínimo 3% de gordura. Em um copo de leite de 300ml, terá 9g de gordura. Tem gordura saturada, que aumenta o bom e o mau colesterol. Ideal para quem precisa ganhar peso. Ajuda na absorção da vitamina D.

SEMIDESNATADO

É o preferido dos profissionais pois mantém a saciedade e não tem o mesmo índice de gordura do integral. Ideal para quem tem hipertensão, colesterol alto e quer controlar o peso.

DESNATADO

Tem menos de 0,5% de gordura. Por ser desnatado, o nível de cálcio não está comprometido.

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